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29 de julho de 2025
A vida pós-trauma e suas implicações na rotina.

“O que não pôde ser elaborado pela consciência retorna como ação. O paciente

repete, sem saber, em vez de recordar.” (Freud, 1914)


O corpo carrega marcas e cicatrizes, visíveis ou não. Muitas vezes, não nos

lembramos da origem dessas marcas; elas simplesmente estão ali, assim como

não temos memória do surgimento dos nossos cabelos, olhos, orelhas, boca e

demais partes do corpo. Ainda assim, seguimos realizando atividades cotidianas

como pentear os cabelos, limpar os olhos ao despertar e nos alimentar

diariamente. Em diversas ocasiões, esquecemos a naturalidade que esses

processos adquiriram em nossa vida. Da mesma forma, as marcas deixadas por

um evento traumático também seguem presentes em nossa existência, mesmo

que não tenhamos plena consciência de sua causa.


A dor, tal como qualquer outra sensação, é experienciada e internalizada ao

longo do tempo, tornando-se uma condição habitual. Essa realidade persiste

mesmo diante das tarefas do cotidiano como trabalho, estudos, projetos e

viagens. Em determinados momentos, porém, a angústia se manifesta de forma

tão intensa que impacta corpo e mente, configurando-se como uma interrupção

na rotina. Como compreender, então, a angústia resultante da marca deixada

por um trauma?


Para uma compreensão mais profunda da vida pós-trauma, é importante analisar

a etimologia do termo. Segundo Roudinesco (1998), a noção de trauma, tal como

empregada na expressão “neurose de guerra”, foi inicialmente formulada por

Hermann Oppenheim (1858–1919), que o caracterizou como uma afecção

orgânica resultante de um evento real. Esse evento provocaria alterações físicas

nos centros nervosos, acompanhadas de manifestações psíquicas como

depressão, hipocondria, angústia e delírio. Os primeiros estudos sobre o tema

foram impulsionados pelas consequências da Primeira Guerra Mundial e se

prolongaram durante a Segunda Guerra, período em que se observaram

sintomas físicos e psíquicos persistentes entre ex-combatentes.


Com base nessa origem, Laplanche e Pontalis (2001, p. 522) definem o trauma

como “um acontecimento da vida do sujeito, caracterizado por sua intensidade,

pela incapacidade do sujeito em lhe responder adequadamente, pelo transtorno


e pelos efeitos patogênicos duradouros que provoca na organização psíquica”.

Esse acontecimento pode ser marcante, causando reações que, no momento,

parecem difíceis de entender. Com o tempo, essas emoções podem influenciar

o comportamento de maneiras que só mais tarde se tornam perceptíveis.

Qualquer situação que provoque uma desordem psíquica, ou seja, que

surpreenda o indivíduo, pode desencadear sintomas até então desconhecidos,

como ansiedade, tristeza, baixa autoestima e comparação social.


Percebo como o trauma pode se tornar evidente no cotidiano das pessoas, por

meio da dificuldade em tomar decisões simples, como elaborar um trabalho para

o curso de graduação. A escolha do tema pode gerar reflexões sobre aspectos

íntimos que não desejamos tornar visíveis aos outros. Na quarta aula com a

professora Silva, em que foram abordados os “atos falhos combinados” e as

“lembranças encobridoras” de Freud, o texto revela experiências pessoais

elucidativas em sua obra. No artigo “Lembranças encobridoras”, Freud informa

que os indivíduos descritos são seu sobrinho e sua prima. Percebi, então, a

importância de abordar temas íntimos para compreender a psicanálise na rotina

do sujeito. Nem sempre é confortável tocar em temas como o trauma; geralmente

é desagradável e até doloroso. No entanto, ao buscarmos a raiz do que nos

incomoda, podemos entender por que repetimos certos impulsos de forma

insistente.


Por vezes, expor uma dor gera vergonha, especialmente quando se espera que

a pessoa já tenha superado a situação. A cobrança social exige que “devamos

ser sempre melhores” e que o tempo de recuperação seja curto, para que

voltemos rapidamente às nossas atividades sem prejudicar os outros. Mas, como

mostra a etimologia do trauma, quando este é intenso, é natural que suas

reações surjam mais tarde. E a intensidade de um evento só será marcadamente

doente para o indivíduo se ele já o tiver experienciado de forma semelhante

anteriormente. Essa pressão pode gerar comparações com quem passou por

experiências parecidas, como se houvesse uma corrida em que você é o único

a não cruzar a linha de chegada. Surge, então, a tristeza, a baixa autoestima e

a insegurança para prosseguir, levando até mesmo à desistência. Em rodas de

conversa, é comum ouvir relatos sobre experiências de infância vividas de forma

diferente por irmãos, apesar de se referirem à mesma situação. Isso evidencia

como o trauma é subjetivo e vivido de forma singular por cada pessoa.


Sem perceber, podemos cair em um ciclo de repetição do trauma, como se esse

mecanismo inconsciente servisse para satisfazer uma necessidade interna de

sofrimento. Um exemplo disso seria a dificuldade recorrente em concluir

trabalhos acadêmicos, mesmo que essa situação já tenha sido enfrentada

anteriormente. Segundo Freud (1914), o sujeito não revive o trauma como uma

lembrança, mas como um ato: ele o repete de forma natural e inconsciente. Essa

repetição manifesta-se na tentativa de aliviar a angústia causada pela dor


traumática. Em alguns momentos, esse ciclo pode provocar sentimentos de

irritação, inquietação ou até estados depressivos. Assim, compreendo que o

trauma marca cada pessoa de maneira singular e pode repercutir diretamente

em sua rotina.


Em alemão, Angst (angústia) refere-se tanto a ameaças específicas quanto

inespecíficas. Pode indicar uma situação de medo real ou uma experiência que

repercute no mundo interno. Entendendo isso, é essencial analisar o quanto o

ato de repetir pode se tornar compulsivo e patológico, representando uma cisão

no bem-estar do indivíduo. É como estar aprisionado ao trauma, buscando

inconscientemente situações semelhantes para dar sentido à dor e, talvez,

encontrar uma forma de libertação da angústia.


Algumas situações cotidianas, por serem familiares, podem acionar gatilhos

emocionais e levar à repetição de comportamentos já conhecidos pela mente.

Isso cria uma falsa sensação de controle como se, ao repetir o padrão, fosse

possível evitar novas surpresas. Há a ilusão de estar consciente do próprio

comportamento, acreditando que isso protege o sujeito de novas dores.


O trauma atinge cada ser humano de forma única, e a intensidade com que isso

ocorre pode estar relacionada às vivências que o indivíduo teve na infância. A

psicanálise, dentro de sua teoria, busca considerar a subjetividade para além do

sintoma. É por meio de comportamentos repetitivos que a elaboração pode

ocorrer, a partir de um encontro do sujeito consigo mesmo, na tentativa de

elucidar suas angústias. Dessa forma, pode-se concluir que o trauma está

relacionado à dor particular de cada pessoa e à forma como ela se manifesta no

cotidiano, marcando de maneira singular a experiência de vida, a ponto de o

sujeito se acostumar com essa forma de existir.


Referências:


FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar. In: Observações psicanalíticas sobre um

caso de paranoia relatado em autobiografia (“o caso Schreber”), artigos sobre

técnica e outros textos. 10. Ed. São Paulo: Companhia das letras. 2010

HANNS L. Dicionário do alemão de Freud. Imago. Rio de Janeiro. 1996.

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. 5.

ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ROUDINESCO, Élisabeth. Dicionário de Psicanálise. 2. ed. rev. e ampl. Rio de

Janeiro: Zahar, 1998.